quarta-feira, 21 de junho de 2017

CARTA PRA VOCÊ! #8

Eu já imaginava um dia escrever isso para a senhora, mas eu torcia que demorasse muito pra esse dia chegar. E chegou, infelizmente. 😢

Muitas lembranças vem à tona, uma retrospectiva dos melhores fatos que passamos juntos.

Ser acordado para ir à escola nunca foi tão aconchegante, ouvindo sua voz nos nossos ouvidos cantando uma música que jamais será esquecida. Talvez meus irmãos nem lembrem mais, mas o "Acorda, Maria Bonita... Levanta, vai fazer o café..." ( - me bateu a curiosidade em pesquisar sobre a música. Ela é uma marchinha de carnaval, bem típica daquela época.) pra sempre será lembrada. Confesso que ouvia e continuava fingindo que estava dormindo, querendo aprender todo o restante da letra, que nem tive tempo de perguntar. Quando a senhora percebia que estávamos fingindo o sono, com o dedo mindinho tocada nos nossos ouvidos e nariz, simulando um inseto pousando para nos causar um incômodo e despertar. A senhora sabia que isso funcionaria. E funcionava, fazendo eu acordar sorrindo.

Enquanto, sem tanta paciência, sua filha, minha mãe, corria de um lado para o outro tentando nos arrumar, colocando nossas meias, sapatos e uniforme, a senhora preparava nosso pão assado na frigideira e nosso café com leite, que de tanto tomar acabei não mais gostando. Sei que essa sempre foi sua bebida preferida ao acordar e antes de dormir.

Não consigo esquecer os nossos pijamas feito pela senhora. Em suas viagens para Caxias, comprava vários panos e novidades de costura para guardar. Em uma dessas viagens a senhora comprou metros de uns panos bem estampado, cheio de coisas de crianças que nem lembro mais. Todos os panos eram iguais, tirando a diferença da cor. Era uma cor para cada neto, para não causar bagunça até mesmo na hora de buscar para usar. Não lembro ao certo a cor do meu, acho que era azul ou vermelho, só lembro bem que era uma calça e um camisa de mangas longas, que nem percebíamos, ou talvez nem sentíamos o calor.

Pouquíssimas vezes a senhora me levou para Caxias. Acho que eu tinha uns 10, 11 anos e nunca deixava o motorista da kombi cobrar minha passagem, alegando que eu tinha menos idade do que eu aparentava. Na cabeça dela, eu sempre tinha 7, 8 anos e sustentava isso para o motorista. No final das contas eu viajava de graça e ainda era agraciado com um pastelão de carne no meio da manhã. Era avó e neto ali, de mãos dadas, desbravando aquela cidade que até hoje ainda é desconhecida por mim. Quando não me levava em suas viagens, eu sempre aguardava em casa ansioso por algum presente no final da tarde, quando a senhora já estava retornando. Geralmente me trazia revista e poster dos meus ídolos da época e eu passava horas e mais horas orgulhoso, folheando e lendo pausadamente cada página. 

Mas o nosso dia de sorte mesmo era acordar e comer um bolo frito ou, raramente, de arroz no azeite que só a senhora sabia fazer. Tudo era especial ali, inclusive uma xícara minúscula que sempre usava nessa ocasião, ao derramar a massa no azeite de coco quente na panela. Semanas atrás até comentei sobre e a senhora me falou que não tinha mais força para "pisar" o arroz no pilão. Essa resposta também se repetia às vezes em que eu dizia que tinha enjoado de cuscuz de milho e que estava querendo cuscuz de arroz feito no pano. A senhora até se esforçou e fez e, como sempre, estava delicioso.

Tivemos nossas discussões como em toda família acontece e quando não acabava em risos, por conta do "primeiro cabo de vassoura" que a senhora pegava, passava em minutos e daqui a pouco já estávamos conversando coisas sérias.

Um dos melhores momentos que vivi foi ouvir suas respostas sábias ao mesmo tempo bem humorada. Eu me surpreendia a cada frase dita sobre determinado assunto. Sim, a senhora não era nem um pouco careta. A senhora evoluiu com o tempo, se modernizou, mesmo sem demonstrar aparentemente. A sua simplicidade e cabeça totalmente sofisticada me deixava com muito mais orgulho de ser o seu neto. Registrei algumas pautas no meu diário, porque preciso que isso fique eternizado não só dentro de mim, mas em uma folha para que no futuro possam ler, assim como também faço aqui às vezes no mundo virtual.

Falar sobre esses últimos atentados no mundo com a senhora me fez despertar o amor ao próximo. Mesmo não dizendo com todas as letras, eu entendia que o que a senhora queria dizer era que o amor sempre vence e prevalece. Há uma culpa em algo ou alguém, mas sabemos que cada pessoa age da forma que quer e que envolve vários princípios. Quem pode nos julgar? Deus. 

Contar meus sonhos logo cedo, me agachar e apoiar minha cabeça sobre suas pernas, sentir seu cheiro e suas mãos acariciando meus cabelos enquanto comentava que eu estava feio, que meu cabelo era duro e que era pra eu tirar essa barba - rs - era algo que eu mais gostava, que mais fazia meu coração se encher de afeto... Ninguém sabe, mas em um momento desses eu chorei. Chorei ali, apoiado nas suas pernas e a senhora nem percebeu. Na verdade eu não quis que percebesse e sai com pressa para o banheiro lavar o rosto.

Nunca mais escutarei a sua máquina após 00h, com pequenas pausas para matar com apenas um tapa muriçoca em suas próprias pernas... "Por que a senhora não vai dormir, Bó! Já é mais de meia-noite!". Nunca mais escutarei seus passos pelo corredor e nem ouvirei as duas batidas leves na porta do meu quarto, como aviso que a comida já estava pronta e que era pra eu ir logo comer... Nunca mais procurará mesmo que impaciente a minha colcha e lençol preferidos, pois eu tinha prazer de te ver ali no quarto, em frente ao guarda-roupas me perguntando qual eu queria... É triste saber que não provarei do seu beju e nescau no café da manhã, da sua farofinha de ovo que eu escapava quando o almoço era peixe - e também quando não era - e de todo o carinho e amor quando fazia as coisas. Eu percebia que a senhora sempre buscava a perfeição e muitas vezes a perfeição não dependia só da gente.

Eu fui muito mal acostumado, talvez nem um bom neto, eu sei, mas tudo isso era pra lhe ter ali, perto de mim.

Infelizmente a vida tem dessas coisas, de ter um final e levar alguém especial. Meus amigos sabem, inclusive a senhora também sabia, que eu nunca aprendi a lidar com a morte. A cada notícia ruim que eu recebia eu estava sentindo as dores e, dependendo do grau de proximidade, eu até chorava - escondido. Aposto que o Dayson me viu muitas vezes chorando e sempre respeitou o meu espaço. É algo que admiro muito nele. O mais triste é saber que a sua ida não foi o melhor presente de aniversário dele e aposto que nos próximos anos não será diferente.

Se eu tivesse tempo, diria o quanto eu te amo. Que eu cresci com a melhor avó que Deus pôde me dar. É algo que eu vou levar pra sempre e que será ainda mais forte do que uma tatuagem registrada na pele. Até porque a senhora está registrada no meu coração. 

Nunca é tarde para agradecer, por isso estou aqui, agradecendo cada dia e segundo que passamos juntos. Agora a senhora deve estar feliz, nos braços de Deus e até olhando por nós. Eu tentarei dar o máximo de mim e trabalharei dia e noite pra ser uma pessoa melhor, eu até peço a Deus sempre por isso. Quero me arrepender e pedir perdão por tudo, mas sempre buscado ser o melhor.



A dor ainda é grande, eu choro digitando tudo isso, mas preciso me dar conforto e adaptação, porque não é fácil. Somente quem passa por isso sabe, não é algo que se fala, somente se sente.

Espero um dia te ver e poder rir mais ainda de tudo que vivemos.

Eu te amo muito, Maria Erondina Rodrigues! 👵💔

🌟 06/1940
➕ 06/2017